quarta-feira, 27 de junho de 2012

Num piscar de olhos e tudo muda


Sabe aquele desespero que a gente sente quando sonha que está caindo? Inutilmente tenta se agarrar ao nada? Alívio é acordar e perceber que o chão continua ali, não é mesmo? O entregador Acleano Barros, 27 anos, não sentiu esse alívio já que a queda no poço do elevador não aconteceu em um pesadelo.

Era início de junho e ele retornava de um apartamento no primeiro andar de um edifício no Leblon, Rio de Janeiro. Barros se despediu da cliente que ficou observando-o até a porta do elevador. Olhou para ela em sinal de despedida, abriu a porta e deu um passo com o pé direito para o nada.
“Quando eu percebi que estava caindo, tentei me agarrar a uma espécie de cabo de aço. Não consegui e senti minha perna direita acertar uma pilastra”, conta. Tentou verificar os danos enquanto gritava para a cliente: “Oh minha senhora, o elevador está quebrado e agora estou aqui embaixo no escuro”.
Enquanto a mulher gritava por socorro e corria para o telefone, o entregador viu o elevador descer. Com medo de ser esmagado, levantou o braço, tentando aparar. “Ainda bem que ele apenas encostou e subiu. Eu só pensei ‘ai, meu Deus, lá vem esse troço agora’”.
Mesmo machucado, conseguiu retirar o celular do bolso e ligou para o trabalho, uma filial de uma rede de restaurantes no Rio. O gerente que já tinha sido avisado pela cliente, seguiu para o local do acidente. Barros foi resgatado pelo Corpo de Bombeiros e a caminho do hospital avaliou a situação:
“E agora? Tenho que pagar o aluguel, as contas de casa e sustentar minha esposa. O que eu vou fazer? Minha moto, alguém guarda para mim. Se ela ficar lá, vão multar e vou ter mais problemas... Ai meu Deus, alguém recolhe o dinheiro lá no buraco, tem umas moedas também... nem deu tempo de guardar, caiu tudo no poço junto comigo”. Falava sem parar.
“Rapaz, qual é o seu nome?”, perguntou o bombeiro.
“Acleano de Brito Barros”, respondeu.
“Como? Acri...”, tentou o bombeiro
“Acleano, meu senhor, com L".  Olhando para a colega de trabalho que o acompanhava pediu: "Explica para ele como se escreve meu nome, para não ficar errado lá no hospital”.
“O número do seu RG, rapaz”, pediu o bombeiro.
“Não me lembro, meu senhor. Tem uns doze números, não decorei tudo ainda. Mas o documento está aqui no meu bolso. Eu ainda não peguei porque estou aqui imobilizado. Se o senhor conseguir alcançar meu bolso de trás pode pegar...”, explicava Barros.
O entregador Acleano Barros aguardou mais de 15 dias para fazer a cirurgia no fêmur direito. Felizmente foi o único membro quebrado no acidente. Como trabalhava há cerca de um mês no estabelecimento, o cartão do plano de saúde ainda não estava pronto e restava aguardar os serviços do Sistema Único de Saúde
(...)
Quase um mês depois do acidente, o entregador nos recebe em sua quitinete na Rocinha, na Zona Sul do Rio. Moreno e franzino, ele parece um menino indefeso e abatido. Aparência que engana. Falando sem parar, vez por outra com olhos marejados, Barros nos conta tudo o que vivenciou enquanto esteve no hospital. Ele capricha nos detalhes, fazendo-nos quase enxergar as cenas.
“Chorei muito de dor. Passei maus bocados esperando ajuda lá. Mas eu sou forte. A gente escolher ser. Eu vou voltar a andar logo”, diz, enquanto nos mostra o que já consegue fazer com a perna machucada.
Com bom humor, Barros nos conta um episódio que estreitou os laços dele com a novela das onze: Gabriela.
“Um senhor que também estava hospitalizado tinha uma televisão e eu via com muita tristeza o que passava. Queria operar logo, me livrar das dores e ficar bom. Quando passava a música de abertura da novela Gabriela e minha perna doía, ficava bravo demais. Acabei associando a música à dor que sentia. Em casa, vendo a abertura de novo, a raiva voltou, mas decidi fazer as pazes com a Gabriela. Não quero guardar essa mágoa”, conta entre risos.
Depois que saímos de lá fiquei digerindo uma das frases do entregador: “Assim que sai do hospital e vi a luz do sol, deu vontade de chorar”. Não caiu durante o sonho, não teve o alívio do despertar, mas foi acariciado pela luz do sol e o consolo de que o pior já passou.

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