Sabe aquele desespero que a gente
sente quando sonha que está caindo? Inutilmente tenta se agarrar ao nada?
Alívio é acordar e perceber que o chão continua ali, não é mesmo? O entregador Acleano
Barros, 27 anos, não sentiu esse alívio já que a queda no poço do elevador não
aconteceu em um pesadelo.
Era início de junho e ele
retornava de um apartamento no primeiro andar de um edifício no Leblon, Rio de Janeiro. Barros
se despediu da cliente que ficou observando-o até a porta do elevador. Olhou
para ela em sinal de despedida, abriu a porta e deu um passo com o pé direito
para o nada.
“Quando eu percebi que estava
caindo, tentei me agarrar a uma espécie de cabo de aço. Não consegui e senti
minha perna direita acertar uma pilastra”, conta. Tentou verificar os danos
enquanto gritava para a cliente: “Oh minha senhora, o elevador está quebrado e
agora estou aqui embaixo no escuro”.
Enquanto a mulher gritava por
socorro e corria para o telefone, o entregador viu o elevador descer. Com medo
de ser esmagado, levantou o braço, tentando aparar. “Ainda bem que ele apenas
encostou e subiu. Eu só pensei ‘ai, meu Deus, lá vem esse troço agora’”.
Mesmo machucado, conseguiu retirar
o celular do bolso e ligou para o trabalho, uma filial de uma rede de restaurantes
no Rio. O gerente que já tinha sido avisado pela cliente, seguiu para o local
do acidente. Barros foi resgatado pelo Corpo de Bombeiros e a caminho do
hospital avaliou a situação:
“E agora? Tenho que pagar o
aluguel, as contas de casa e sustentar minha esposa. O que eu vou fazer? Minha
moto, alguém guarda para mim. Se ela ficar lá, vão multar e vou ter mais
problemas... Ai meu Deus, alguém recolhe o dinheiro lá no buraco, tem umas
moedas também... nem deu tempo de guardar, caiu tudo no poço junto comigo”.
Falava sem parar.
“Rapaz, qual é o seu nome?”,
perguntou o bombeiro.
“Acleano de Brito Barros”,
respondeu.
“Como? Acri...”, tentou o
bombeiro
“Acleano, meu senhor, com L". Olhando para a colega de trabalho que o acompanhava pediu: "Explica para ele como se escreve meu nome, para não ficar errado lá no hospital”.
“O número do seu RG, rapaz”,
pediu o bombeiro.
“Não me lembro, meu senhor. Tem
uns doze números, não decorei tudo ainda. Mas o documento está aqui no meu
bolso. Eu ainda não peguei porque estou aqui imobilizado. Se o senhor conseguir
alcançar meu bolso de trás pode pegar...”, explicava Barros.
O entregador Acleano Barros aguardou mais de 15 dias para fazer a cirurgia no fêmur direito. Felizmente foi o único membro quebrado no acidente. Como trabalhava há cerca de um mês no estabelecimento, o cartão do plano de saúde ainda não estava pronto e restava aguardar os serviços do Sistema Único de Saúde
(...)
Quase um mês depois do acidente, o entregador nos recebe em sua quitinete na Rocinha, na Zona Sul do Rio. Moreno e franzino, ele parece um menino indefeso e abatido. Aparência que engana. Falando sem parar, vez por outra com olhos marejados, Barros nos conta tudo o que vivenciou enquanto esteve no hospital. Ele capricha nos detalhes, fazendo-nos quase enxergar as cenas.
O entregador Acleano Barros aguardou mais de 15 dias para fazer a cirurgia no fêmur direito. Felizmente foi o único membro quebrado no acidente. Como trabalhava há cerca de um mês no estabelecimento, o cartão do plano de saúde ainda não estava pronto e restava aguardar os serviços do Sistema Único de Saúde
(...)
Quase um mês depois do acidente, o entregador nos recebe em sua quitinete na Rocinha, na Zona Sul do Rio. Moreno e franzino, ele parece um menino indefeso e abatido. Aparência que engana. Falando sem parar, vez por outra com olhos marejados, Barros nos conta tudo o que vivenciou enquanto esteve no hospital. Ele capricha nos detalhes, fazendo-nos quase enxergar as cenas.
“Chorei muito de dor. Passei maus
bocados esperando ajuda lá. Mas eu sou forte. A gente escolher ser. Eu vou
voltar a andar logo”, diz, enquanto nos mostra o que já consegue fazer com a
perna machucada.
Com bom humor, Barros nos conta
um episódio que estreitou os laços dele com a novela das onze: Gabriela.
“Um senhor que também estava hospitalizado
tinha uma televisão e eu via com muita tristeza o que passava. Queria operar
logo, me livrar das dores e ficar bom. Quando passava a música de abertura da novela
Gabriela e minha perna doía, ficava bravo demais. Acabei associando a música à
dor que sentia. Em casa, vendo a abertura de novo, a raiva voltou, mas decidi
fazer as pazes com a Gabriela. Não quero guardar essa mágoa”, conta entre
risos.
Depois que saímos de lá fiquei
digerindo uma das frases do entregador: “Assim que sai do hospital e vi a luz
do sol, deu vontade de chorar”. Não caiu durante o sonho, não teve o alívio do
despertar, mas foi acariciado pela luz do sol e o consolo de que o pior já
passou.